Informo que tomei o própolis que você recomendou. Espero que me fortaleça em algo. Apesar de cada dia mais com mais peso, me sinto definhar. Mas, como você diz, vamos dar tempo ao tempo. Comprei as vitaminas, bebi água o suficiente e estou de saída para uma caminhada.
Me perdoe o tom solene, um tantinho sombrio. É que hoje amanheceu às avessas por aqui. Acordei de madrugada com um susto que não sei definir. Pra respirar, tomei um comprimido que me derrubou por toda a manhã. Lembro que você sempre diz que um dia ruim é só mais um dia. Estou tentando passar por ele sem grandes alardes.
Está tudo bem e muito difícil, Mirtes. Não preciso te contar uma história que também é sua. Mas, nas horas da repetição em busca de uma cura, só posso falar com você.
As pessoas têm fome. Ninguém vê, eu os escuto. Na minha cama confortável, com minhas paredes seguras, eu ouço o abismo. A fome, o desamparo. O conformismo de esperar acabar essa festa em que eles nos devoram as entranhas, a pele, os ossos. Vai passar, mas o que sobrará de nós? Quantos restarão com forças para receber o novo dia?
Eu não vou morrer de fome, Mirtes. Mas não sei a quantas migalhas vão me reduzir. O meu coração bonito, minha falta de aptidão pra calendários, meus versinhos de amor, o brilho da minha voz nos salões, minhas mãos quentes. Não sei se haverá água para reerguê-los depois de tanta seca.
Mas hoje, Mirtes, é só um dia ruim. Chá quente, alguma bobagem na tela e um bom banho devem bastar. E você fique bem. Que Deus te guarde nesse canto sagrado, neste refúgio florido que o mundo gosta de esquecer.
Ate que o enfim chegue, Mirtes. Boa noite!