quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Bode


Sentimento é um treco engraçado, não marca hora e não segue um roteiro pra bater na sua cara. Hoje eu acordei infeliz, não como definição de pessoa. Eu não sou infeliz, mas hoje estou. Sem um motivo específico, ou talvez com o motivo de sempre mais agudo, mais real. 

Leio jornais, vejo tv, o mundo está uma bosta, mas o Brasil tem seu jeitinho peculiar de me deixar descrente. Bolsonaro e seus ministros ainda estão no poder, destruindo tudo que veem pela frente com um sorriso cínico, sinal de arminha e a complacência de quem fez essa "escolha difícil". Não vou me conformar com isso n u n c a.

Olho pros livros na fila de leitura com uma esperança de que serão melhores. Fiz um acordo com o atual de terminá-lo primeiro, mesmo irritada. "Minha vida de Rata" é bom, mas me dá nos nervos. Quero saber o final, mas também bater na personagem principal e narradora. Tem passagens que ela fala de sentimentos e imagens de uma forma muito viva, em outros se perde tentando ser mais dramática do que precisa. Mas vou terminar, cacete!

E aí o corpo cobra por comida e não posso cometer o mesmo erro de ontem e da semana passada, de passar muito tempo sem comer e depois dar um apagão. Nesse dia de bode, eu acho que as pessoas imaginam (que pessoas? Não sei) gente gorda comendo sem parar, se enfiando em cheddar, refrigerante e nutela o dia todo, e talvez tenha gente gorda assim, mas não é meu caso. E falo de gorda não pra debater a categoria obesos, senso estético, gordofobia, nada disso. Estou falando em pessoas que pesam mais de 60kg e tem dificuldade de vestir P. Gente como eu, que quer emagrecer e não é muito fácil. Que pode ser considerada magra, normal ou gorda dependendo da foto, da roupa, enfim. Gente que ficou de fora dos favoritos de Deus, que podem viver de sorvete e batata-frita sem perder calças jeans.

Eu queria falar que sei o sentido da vida. Indicar séries e livros. Dançar na sala. Mas hoje acho que nem combina. Além do mais, tô com um pé meio prejudicado. Vivo ensaiando para falar da grande maravilha, rara e perfeita que ganhamos de presente: O planeta Terra. Sério, não precisa estudar astronomia a fundo. Só dá uma olhada nos vizinhos Vênus e Marte. A Terra é tão absolutamente generosa com nossos corpos frágeis de seres humanos que tínhamos que passar o dia inteiro saudando a mandioca e tudo mais que tem por aqui. Mas o Brasil está derrubando a Floresta Amazônica. Compactando solos. Ferrando com o ciclo de chuvas do Cerrado. Destruindo o Araguaia e outros rios. Tudo isso enquanto batem no peito com orgulho e riem dos "ecochatos".

Como se destruir a natureza não nos incluísse, como se a gente não fosse bicho. Talvez exista um refúgio garantido com ar condicionado e wifi quando acabarem com tudo, mas tenho certeza que eu não vou ter acesso a essa área vip. E tô aqui falando como classe média branca e privilegiada. Ter dinheiro pra pagar os boletos não me torna especial ou protegida da destruição avassaladora que está em curso. 

Pensando aqui nesse dia de chatice, talvez o gatilho ou gota d'água tenha sido encontrar um negacionista da pandemia ontem no elevador. Puta que o pariu, minha gente, quase um ano que pandemia e tenho que escutar que "é só estar com a imunidade boa que não pega nada". Eu ainda tive energia pra retrucar: "É, mas como eu vou sair por aí testando imunidade de todo mundo?". Ah, gente, pelo amor. Está mais do que claro, claríssimo, que vem aí uma segunda onda de coronavírus, e a gente nem saiu da primeira! Mais uma leva de gente que vai ter Covid-19. Talvez os hospitais estejam mais preparados, talvez menos gente morra. Mas eu continuo com o firme propósito de não pegar. E, se pegar, não passa pra frente. 

"Ai, Agatha, mas você acabou de ir pra praia". Fui sim. Tive que romper isolamento pra viajar e me aglomerar por causa do trabalho, então peguei férias e fui ter cuidado lá na Bahia. Uma semana pra respirar, usar máscara na beira-mar (tenho fotos) e cuidar da minha saúde mental. Porque precisamos de fôlego pra esperar a vacina, precisamos seguir os protocolos. O mundo é injusto e nem todo mundo pode ir respirar na praia. Tem gente que mora em pequenos paraísos particulares e outros que não tiveram um só dia de folga e sossego. Tem profissional na linha de frente. Tem entregador que se arrisca pra sobriver e trazer meus lanches. Então, eu que ganhei o bônus de ter ido pra praia mesmo com máscara cirúrgica, atraso de avião e álcool gel, reuni alguma energia pra rever os protocolos e me preparar pro que vem. Paciência, cuidado, comprando algumas brigas e escrevendo textão em dias de bode. Sigamos juntos, mas não me incomodem hoje. Beijos! 

Você não pode fazer alguém te amar nem se comprometer com você

por Brisa Pinho ( original em inglês aqui ) “Dói deixar ir, mas, algumas vezes, dói mais segurar” (Desconhecido) Quando você está profundame...